Nunca tive um orgasmo: o que isso revela sobre o desconhecimento do próprio corpo feminino?
Cena da personagem interpretada por Carolina Dieckmann em Vale Tudo destaca a anorgasmia e reforça a importância da saúde íntima e do prazer feminino
8/24/20252 min read
A cena foi curta, mas provocou reações intensas. Em um dos capítulos da prestigiada novela Vale Tudo, da TV Globo, a personagem vivida por Carolina Dieckmann revelou nunca ter tido um orgasmo. A fala expôs um incômodo silencioso, e mais comum do que se imagina vivido pela população feminina. Embora pouco se fale sobre isso, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 15% das mulheres nunca tiveram um orgasmo na vida. E uma em cada três relatam dificuldade frequente em alcançá-lo, como apontam levantamentos do Journal of Sexual Medicine.
A repercussão da novela escancara uma urgência: a de falar, sem rodeios, sobre o desconhecimento do próprio corpo. A mulher que não sente prazer não está doente nem errada, muitas vezes, ela apenas não teve acesso à informação ou ao cuidado certo para compreender o próprio corpo. É comum ouvir relatos durante os atendimentos de mulheres que sentem dor, vergonha ou simplesmente acreditam que não têm direito ao prazer. É uma realidade silenciosa, mas muito presente.
Flaviana atende mulheres em diferentes fases da vida, tanto presencialmente quanto online, e atua na divulgação de informações acessíveis sobre saúde íntima. E observa que, apesar dos avanços nas conversas sobre sexualidade, muitas mulheres ainda crescem sem referências positivas sobre o próprio corpo, e acabam normalizando sintomas como dor na relação, ressecamento vaginal ou desinteresse sexual. A cultura do silêncio ainda prevalece. E isso tem impacto direto na saúde física e emocional de muitas mulheres.
A fisioterapia pélvica, especialidade ainda pouco conhecida no Brasil, atua justamente na prevenção e tratamento de disfunções que afetam o bem-estar íntimo. Entre os quadros mais comuns estão a anorgasmia (ausência de orgasmo), a dor gênito pélvica (dor durante o sexo) e a incontinência urinária. São condições tratáveis, mas que muitas mulheres demoram anos para identificar como problema, simplesmente por falta de informação. Muita gente ainda acha que sentir dor é normal. Mas não é.
Flaviana é coautora de publicações sobre saúde íntima e atua com o propósito de transformar vergonha em acolhimento, dor em bem-estar e silêncio em informação e acredita que essa transformação é profunda. Mulheres de 60, 70 anos podem viver seu primeiro orgasmo depois de um processo de autoconhecimento e cuidado. E isso é potente, é saúde pública.
O prazer feminino ainda é um território negligenciado, mas não precisa continuar assim. Toda mulher tem o direito de viver sua intimidade com consciência, liberdade e prazer. E isso começa pelo acesso à informação, pela escuta e pelo cuidado com o próprio corpo. O orgasmo não deveria ser um tabu, mas parte da vida com saúde e autonomia. Dessa forma, ao dar espaço ao tema no horário nobre, Vale Tudo acende um sinal de alerta, e também uma oportunidade.